segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O (re)começo de tudo

Seus jeans surrados, sua bota com solado gasto e sua blusa preta já desbotada revelavam que ele não era vaidoso. Talvez tivesse possuído alguma beleza durante a tenra idade, mas as feições já não eram harmoniosas. Seus olhos carregavam muitas visões para serem belos e seus cabelos, antes esvoaçantes e negros, estavam agora oleosos e esbranquiçados. Seus rosto era marcado, sua barba sempre estava por fazer, e seus sorriso, antes fácil, puro e luminoso, era agora cada vez mais raro, amarelado e menos sincero.

Parado, fixava os olhos no monitor a sua frente. Durante muito tempo, ele evitou fazer o que estava prestes a fazer. E ainda evitava, embora soubesse que deveria começar a qualquer momento. Seus dedos percorreram o teclado, iluminado apenas pela luz fraca que provinha da tela a sua frente, mas não se deteram neste. Um risco, uma faísca, um clarão repentino e uma chama. E então, a incandescência avermelhada de seu cigarro. O seu tão antigo vício.

Ele inspirou prazeirosamente, deixando que a fumaça preenchesse seus pulmões, e expirou lentamente, enquanto admirava o efeito que a luminosidade conferia a pequena névoa cinza que agora preenchia o espaço. Era fácil deixar-se levar por devaneios observando a bruma quase etérea que dançava diante de seus olhos, mas seu olhar atravessou-a, fixando novamente a tela branca. Vazia. "Um reflexo do que sou", pensou ele, e não pode deixar de sorrir, enquanto sua mão direita buscava a xícara de café já frio que descansava no móvel ao lado. Levou-a a boca, indiferente a sua temperatura, e engoliu o que restava de seu conteúdo. Seu rosto contorceu-se em uma careta, mas seus olhos ainda estavam presos, hipnotizados pela alvura que irradiava do monitor e iluminava-o na escuridão do quarto.

Ele já não se lembrava da última vez que fizera aquilo. Fora a muito, muito tempo, quando ele era jovem, irresponsável, imprudente, sincero. Quando ele era realmente poderoso. Quando ele ainda possuía a chama que dera origem a estas cinzas frias na qual ele se transformara. Enfim, quando ele ainda se sentia vivo.

Espreguiçou-se da melhor maneira que podia na cadeira desconfortável, e depois, um a um, estalou os dedos. Levantou-se, silenciosamente, e saiu do quarto. Ao retornar, estava leve e esperançoso, pois sempre que estava só e entrava em um aposento guardava a vã esperança de ver alguma mudança. Não saberia precisar, se perguntado, qual mudança seria esta. Mas nada acontecera, e ele, levemente decepcionado, sentou-se e procurou seu cigarro. Descobriu apenas cinzas, e instintivamente levou a mão ao maço, mas ao tocá-lo, sentiu repulsa e o soltou. Contemplou-o, depois ao isqueiro, e perguntou-se porque ainda fazia aquilo. Deu de ombros ao não encontrar resposta, e bocejou sonoramente, apenas para espantar o silencio que o acompanhava.

O sono, tão desejado por ele em determinadas noites, começara a rondá-lo, talvez por não ser conveniente ao momento. Ele esfregou os olhos com as costas da mão, e decidiu desistir. Sua mão direita foi de encontro ao mouse, e ele observou a seta mover-se na tela, indo em direção ao x dentro da caixa vermelha. Não ia começar hoje, e adiaria mais uma vez. Toda esta bobagem poderia esperar. Na verdade, ele nem mesmo sabia porque ainda estava ali sentado.

"Você não é o que quer ser, e nunca será", pensou, mas neste momento, tão súbito quanto um raio, ele foi atingido. Sua mente vagou por locais distantes, paisagens desconhecidas, pessoas e sorrisos que ele jamais vira. Sentimentos que nunca foram dele o apossaram, e ele curvou-se sobre o teclado, lançando um último olhar a tela ainda vazia. Sua respiração tornou-se mais forte, os olhos estreitaram-se.

E então, ele escreveu.

6 comentários:

  1. entao ta ne... vamos aguardar os proximos capitulos....

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  2. ...primeiro post e já deu para realizar tudo que aqui está escrito, eu consegui ver o tal homem, antes menino e sincero, a careta, o cigarro deixado de lado, o espreguiçar, o coçar os olhos, o rosto diante da tela branca...
    Nem todo mundo consegue escrever de uma forma que eu consiga visualizar, mas você, conseguiu...deixa a imaginação desse homem e menino solta, livre, foi bom te ler...

    Aguardo o próximo!

    beijo!

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  3. Começou bem! Ou recomeçou!
    =D
    Gostei do seu estilo, que ao mesmo tempo é leve e reflexivo.
    O personagem é bastante humano, com alguns sentimentos que criamm um elo de identificação bem forte com o leitor, que é o mais importante.
    Consegui me identificar com alguns momentos. E você descreve a quantidade certa de detalhes na cena. Nem demais, nem menos.
    Vou ficar esperando o próximo post!

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  4. Surpresa e encantada. Amo escrever, logo adoro textos que falam sobre a escrita. Muito mais que uma terapia, é uma verdadeira libertação. Fico feliz que você esteja se rendendo a esta saudável prática.

    É impressionante como uma tela fria pode em uma fração de segundos revelar tanto sobre nós. Saudade do que ainda não vimos, devaneios e angústias.

    A sensibilidade por vezes analítica e observadora dos Escorpianos é maravilhosa. Por favor, não nos prive de "te ler", Bruno.

    Aguardo novos posts!

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  5. Adorei o texto.Mandou muito bem. Voltarei sempre no seu espaço. abraços da eterna tia Carmem!

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  6. Até que enfim vou conseguir colocar um comentário,adorei os contos,a leitura é ótima dinâmica e interessante,já me tornei fã e aguardando os próximos conto!!

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